Uma introdução à reforma protestante

Uma introdução à reforma protestante

Wittenberg, 1536
Wittenberg, 1536

A Reforma Protestante

Atualmente, existem diversos tipos de Igrejas Protestantes. A Igreja Batista, por exemplo, é a denominação com maior número de fiéis nos Estados Unidos, mas existem dezenas de outras. Como isso aconteceu? Qual foi a origem delas? Para entender o movimento da Reforma Protestante, precisamos voltar para o começo do século XVI, quando havia apenas uma igreja na Europa Ocidental – aquela que hoje conhecemos por Igreja Católica Romana – sob a liderança do Papa, em Roma. Hoje, chamamos essa corrente de “Católica Romana” porque existem diversos outros tipos de igrejas (Metodista, Batista, Luterana, Calvinista, Anglicana e assim por diante).

A Igreja e o Estado

Portanto, se voltarmos ao ano de 1500, a Igreja (aquela que hoje chamados de Igreja Católica Romana) era muito poderosa (política e espiritualmente) na Europa Ocidental (e, de fato, governava uma porção de território significativa na Itália, chamado de Estados Papais). Mas também haviam outras forças políticas em ação. Havia o Sacro Império Romano-Germânico (constituído em sua maioria por regiões que adotavam o alemão como língua e eram governadas por príncipes, duques e eleitores), as cidades-estado italianas, a Inglaterra, e também os estados-nação cada vez mais unificados da França e da Espanha (entre outros). O poder dos governantes dessas áreas havia aumentado no século anterior e vários deles estavam ávidos para aproveitar a oportunidade aberta pela Reforma de enfraquecer o poder do papado (o escritório do Papa), e aumentar seu próprio poder em relação à Igreja de Roma e a outros governantes.

Também tenha em mente que, durante algum tempo, a Igreja foi uma instituição infestada por disputas internas de poder (no final século XIV e começo do XV, houve um período em que a igreja foi governada por três Papas simultaneamente). Papas e cardeais geralmente levavam uma vida mais parecida com a de rei que com a de líderes espirituais. Os papas reivindicavam poder tanto temporal (político) quanto espiritual. Eles comandavam exércitos, faziam aliança políticas e inimigos e, por vezes, até instigavam guerras. A simonia (venda de favores divinos) e o nepotismo (favorecimento baseado em relações familiares) eram a regra. Claramente, se as atenções do Papa estavam voltadas para esses assuntos mundanos, não restava tempo bastante para cuidar das almas dos fiéis. A corrupção da Igreja era de conhecimento geral, e várias tentativas foram feitas para reformá-la (os casos mais notáveis foram os de João Wyclif e Jan Hus), mas nenhuma dessas iniciativas conseguiu abalar as práticas da Igreja até que Martinho Lutero entrasse em ação, no começo do século XVI.

Lucas Cranach, o Velho, Martinho Lutero, busto a três quartos, 1520
Lucas Cranach, o Velho, Martinho Luthero, Busto a Três Quartos, 1520

Martinho Lutero

Martinho Lutero era um monge alemão e professor de teologia na Universidade de Wittenberg. Lutero desencadeou a Reforma em 1517 ao publicar, ao menos pelo que conta a tradição, suas “95 Teses” na porta da Igreja do Castelo em Wittenberg, na Alemanha. As teses eram uma lista com declarações que expressavam as preocupações de Lutero com as práticas da Igreja – principalmente quanto à venda de indulgências –, mas que expressavam também preocupações mais profundas em relação à doutrina da Igreja. Antes de prosseguirmos, note que a palavra “Protestante” é derivada de “protesto” e que o termo Reforma também vem de “reformar” – isso representava um esforço, ao menos em um primeiro momento, de protestar contra as práticas da Igreja Católica e de mudá-la.

Indulgências

A venda de indulgências era uma prática por meio da qual a igreja reconhecia uma doação ou obra de caridade com um pedaço de papel (uma indulgência), que certificava que a alma da pessoa entraria no reino do céu mais rápido, pois o período no purgatório seria reduzido. Se você não cometesse pecados graves e se livrasse do inferno, e morresse antes de se arrepender e se redimir de todos os seus pecados, sua alma ia para o Purgatório – um tipo de zona intermediária onde você terminaria de se redimir por seus pecados antes de ser admitido no céu.

O Papa Leão X concedeu indulgências para levantar fundos para a reconstrução da Basílica de São Pedro, em Roma. Essas indulgências eram vendidas por Johann Tetzel em uma cidade não muito longe de Wittenberg, onde Lutero lecionava teologia. Lutero tinha sérias preocupações sobre o modo como a entrada no reino do céu estava associada a transações financeiras. Mas a venda de indulgências não era a única discordância de Lutero com a Igreja.

Somente pela fé

Martinho Lutero era muito devoto e havia passado por uma crise espiritual. Ele chegou à conclusão de que não importava o quanto ele tentasse ser “bom”, o quanto ele tentasse se afastar do pecado, ele continuava tendo pensamentos pecaminosos. Temia que não importava quantas trabalhos bons ele fizesse, nunca faria o suficiente para merecer seu lugar no céu (lembrem-se que, de acordo com a Igreja Católica, fazer trabalhos bons, como o comissionamento de obras de arte para a Igreja, ajudava a pessoa a ser admitida no céu). Isso representava uma compreensão profunda da natureza inevitavelmente pecadora da condição humana. Afinal de contas, não importa quão generosos e bondosos tentemos ser, sempre nos surpreenderemos tendo pensamentos egoístas e, algumas vezes, até pior do que isso. Lutero encontrou uma solução para esse problema em São Paulo, que escreveu “O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17). A interpretação que Lutero fez desse trecho é que, aquele que vai para o céu (o justo), chegará lá apenas pela fé – não por fazer boas obras. Em outras palavras, a graça divina é atribuída livremente aos seres humanos, e não algo que podemos influenciar. Por outro lado, a Igreja Católica considerava que os seres humanos, por meio de boas obras, podiam facilitar sua salvação.

Somente as Escrituras

Lutero (e outros reformistas) recorreram à Bíblia como a única fonte confiável de instrução (em oposição aos ensinamentos da Igreja). A invenção da prensa móvel em meados do século XVI (por Guttenberg, em Mainz, Alemanha) junto com a tradução da Bíblia para o vernáculo (as línguas francesa, italiana, alemã, inglesa etc.) significava que, aqueles que fossem alfabetizados, poderiam ler a Bíblia diretamente sem precisar confiar em um padre ou em outras autoridades da Igreja. Antes dessa época, a Bíblia era escrita apenas em latim, a língua da Roma antiga falada principalmente pelo clero. Antes da imprensa, os livros eram feitos à mão e custavam caro. A invenção da prensa móvel e a tradução da Bíblia para o vernáculo significava que, pela primeira vez na história, a Bíblia estava disponível para os não integrantes da Igreja. E agora, era possível ter uma relação direta com Deus, sem a mediação da Igreja Católica.

Quando Lutero e outros reformistas leram as palavras da Bíblia (e foram feitos esforços para melhorar a precisão das novas traduções usando manuscritos gregos), eles descobriram que muitas das práticas e ensinamentos da Igreja sobre como alcançar a salvação não correspondiam aos ensinamentos de Cristo. Isso incluía muitos dos Sacramentos, como a Sagrada Comunhão (também chamada de Eucaristia), por exemplo. Segundo a Igreja Católica, o milagre da Comunhão é a transubstanciação – quando o padre ministra o pão e o vinho, a substância deles se transforma (o prefixo “trans” significa mudança) no corpo e no sangue de Cristo. Lutero discordava, dizendo que nada mudava durante a Eucaristia. Com isso, Lutero desafiou um dos sacramentos centrais da Igreja Católica, um dos seus milagres principais e, consequentemente, uma das maneiras pelas quais os seres humanos podem alcançar a graça divina ou a salvação.

A Contra-Reforma

Inicialmente, a Igreja ignorou Martinho Lutero, mas as ideias dele (e variações delas, incluindo o Calvinismo) se espalharam rapidamente pela Europa. Pediram que ele se retratasse (desmentisse seus escritos) na Dieta de Worms (nome de um conselho encabeçado pelo imperador do Sacro Império Romano-Germânico na cidade alemã de Worms). Quando Lutero se recusou, foi excomungado (ou seja, expulso da igreja). A resposta da Igreja à ameaça representada por Lutero e outras pessoas é chamada de Contra-Reforma (sendo que “contra” significa “em oposição”).

O Concilio de Trento

Em 1545, a Igreja convocou o Concílio de Trento para tratar das questões levantadas por Lutero. O Concílio de Trento era uma assembleia de altos oficiais da Igreja que se reuniram (por diversas vezes durante dezoito anos) em Trento, cidade localizada no norte da Itália, onde realizaram 25 sessões.

Principais Decisões do Concílio de Trento:

  1. O Concílio negava a ideia luterana de justificação pela fé. A Igreja Católica Romana afirmava a Doutrina do Mérito, que permitia a redenção dos seres humanos por meio das Boas Obras e dos sacramentos.
  2. Afirmou a existência do Purgatório e a utilidade da oração e das indulgências na redução da estadia no purgatório.
  3. Reafirmou a crença na transubstanciação e a importância de todos os sete sacramento.
  4. Reafirmou a autoridade tanto dos ensinamentos da escritura quanto das tradições da Igreja.
  5. Reafirmou a necessidade e o uso correto da arte religiosa (saiba mais abaixo).

Concílio de Trento e Arte Religiosa

No Concílio de Trento, a Igreja também reafirmou a utilidade das imagens, mas ressaltou que as autoridades da igreja deveriam ser cautelosas, promovendo o uso correto dessas imagens e se resguardando contra a possibilidade de idolatria. O concílio decretou que as imagens eram úteis “porque a honra mostrada nelas se referem aos protótipos que essas imagens representam” (em outras palavras, por meio das imagens, nós honramos as figuras sagradas representadas nelas). E listaram outra razão para a utilidade das imagens: “porque os milagres que Deus empreendeu por meio dos santos, e o exemplo salutar transmitido por eles, são expostos aos olhos do fiel; de tal forma, que ele pode agradecer a Deus pela existência dessas coisas; pode ordenar sua própria vida e hábitos por meio da imitação dos santos; e pode ser urgido a adorar e amar a Deus, e a cultivar a piedade.”

Violência

A Reforma foi um período bastante violento na Europa. Até mesmo membros de uma mesma família lutavam uns contra os outros nas guerras de religião. Cada lado, tanto católicos quanto protestantes, tinha certeza absoluta de que estava certo e de que o lado adversário estava agindo em nome do diabo.

Os artistas do período – Michelangelo em Roma, Ticiano em Veneza, Durer em Nuremberg, Cranach na Saxônia – foram impactados por essas mudanças, já que, até então, a Igreja havia sido a única grande patrona dos artistas. E agora, a arte estava sendo vista de um modo completamente distinto. A Igreja Católica pretendia que a arte comunicasse as histórias da Bíblia de maneira eficiente e clara (veja o quadro Banquete na Casa de Levi, de Veronese, para saber mais sobre o assunto). Por outro lado, boa parte dos protestantes perdeu o patronato da Igreja e as imagens religiosas (esculturas, pinturas, vitrais etc.) foram destruídas em revoltas iconoclastas.

Outros acontecimentos

É também durante este período que a Revolução Científica ganha força e a observação do mundo natural substitui a doutrina religiosa como fonte para a compreensão do universo e do nosso lugar nele. Copérnico aperfeiçoou o modelo solar desenvolvido na Grécia antiga ao sugerir que o sol estava no centro do sistema solar e que os planetas giravam em torno dele.

Ao mesmo tempo, a exploração, colonização e cristianização (geralmente forçada) daquilo que a Europa chamava de “novo mundo” continuava em curso. No final do século, o mundo dos europeus era muito maior e as opiniões sobre ele eram mais variadas e incertas do que haviam sido por séculos.

Nota: este tutorial enfoca a Europa Ocidental. Há outras formas de cristianismo em outras parte do mundo incluindo, por exemplo, a Igreja Ortodoxa Oriental.

Texto escrito por Dr. Steven Zucker & Dr. Beth Harris

Conheça: https://pt.khanacademy.org/

 

Sugestão para estudo

  • Reforma Protestante
    • Precursores e críticos do Papa
    • Lutero e luteranismo
    • Calvino e calvinismo
    • Reformadores radicais
    • Inglês Reforma
    • Reforma escocesa
      • John Knox
  • Reforma Católica
    • Precursores
    • O Concílio de Trento
    • Outros reformadores católicos
    • A Companhia de Jesus
  • Conflito
  • Mulheres e Reforma

Uma consideração sobre “Uma introdução à reforma protestante”

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.