Intimidade com o Todo-Poderoso
Coisas profundas são intrigantes. Selvas profundas. Águas profundas. Cavernas profundas, desfiladeiros profundos. Pensamentos profundos e conversas profundas.
Não há nada como a profundidade para nos tornar insatisfeitos com as coisas superficiais, rasas. Uma vez que tenhamos cavado abaixo da superfície, e experimentado as maravilhas e os mistérios que há na profundidade, percebemos o valor de investirmos o tempo necessário e enfrentarmos todo obstáculo para alcançarmos essas profundezas.
Isso é particularmente verdadeiro no reino espiritual. Deus nos convida a irmos mais a fundo, e não ficarmos satisfeitos com os aspectos superficiais.
Lemos nas Escrituras que o Espírito de Deus “a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1 Co 2:10). A profundidade de sua sabedoria e de seus caminhos é definida como “insondável” e “inescrutável”, de acordo com Romanos 11:33:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
Próximo ao fim de suas tribulações, Jó refere-se aos propósitos profundos, misteriosos e inexplicáveis do Senhor como sendo “cousas maravilhosas demais para mim, cousas que eu não conhecia” (Jó 42:3). O profeta Daniel afirmou que Deus “revela o profundo e o escondido” e que “conhece o que está em trevas” (Dn 2:22).
Em outro lugar lemos que o nosso Deus “das trevas manifesta cousas profundas e traz à luz a densa escuridade” (Jó 12:22). O salmista testifica que são “os teus juízos, como um abismo profundo” (Sl 36:6).
Certamente nosso Senhor opera em domínios muito além da nossa capacidade de compreender, mas ele espera que nós exploremos e experimentemos aquilo que está além do que é óbvio. Algumas das melhores verdades de Deus, como tesouros inestimáveis, acham-se escondidas em profundidades tais, que muitas pessoas nunca dão o tempo necessário para procurá-las e encontrá-las. Que perda para nós! Com paciência e graciosamente ele está à espera para revelar as percepções e as dimensões da verdade àqueles que se dispõem ao menos a sondar, a examinar, a meditar.
Tal procura não é simplesmente uma busca intelectual. Os caminhos de Deus não são descobertos através dos métodos de pesquisa normais e humanísticos.
Poderás descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o Todo-Poderoso? Como as alturas do céu é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o Seol; que poderás tu saber? – Jó 11:7-8 (AR-IBP)
Mesmo sendo tão importantes e intrigantes como as coisas profundas de Deus devem ser, elas resistem totalmente a qualquer tentativa de ser descobertas pelos meios naturais de nossas mentes. Ele reserva essas coisas para aqueles cujos corações são totalmente dele… para aqueles que reservam tempo suficiente para buscar sua face. Somente desse modo pode haver intimidade com o Todo-Poderoso.
Porém, só uma preciosa minoria nesta era agitada e tumultuada tem procurado essa intimidade. Porém, na maioria dos casos temos nos tornado um grupo de pessoas que se parece mais com o estouro de uma boiada do que com um rebanho de Deus junto a pastos verdejantes e águas tranqüilas. Nossos antepassados souberam — ao que parece — comunicar-se intimamente com o Todo-Poderoso… mas e nós, sabemos? Temos de aprender de novo a pensar em profundidade, a prestar culto de uma maneira significativa, a meditar sem pressa alguma.
As palavras de Richard Foster cabem inteiramente aqui:
A superficialidade é a maldição dos nossos dias. A doutrina da satisfação instantânea é um dos principais problemas espirituais. A necessidade desesperadora hoje em dia não é de um número maior de pessoas inteligentes, ou bem dotadas, mas sim de pessoas profundas.1
Pare e pense a respeito disso antes de prosseguir. Faça a si mesmo uma pergunta difícil. Seja honesto em sua resposta: “Eu, estou entre as pessoas profundas?”
Talvez você não se sinta tão profundo como gostaria de ser. Entretanto, você tem um certo grau de interesse em se tornar profundo; pois se isso não fosse verdade você não teria se interessado em ler este livro.
Provavelmente, você em sua vida já está farto de coisas superficiais… você está cansado de conversa mole e de pensamentos não profundos. Você sabe que tem que haver mais; somente não sabe como chegar lá. Uma coisa é certa: você não quer permanecer onde e como você está.
E eu lhe dou parabéns. Ninguém está apto a ir às profundezas a menos que esteja saturado com o superficial. O que você almeja, pelo que sei, é intimidade com o Todo-Poderoso.
Você quer ter uma profunda percepção da presença dele, quer estar em contato com ele no mais profundo grau possível, quer pensar os pensamentos dele, quer recolher a sabedoria dele, quer viver tão perto do coração dele quanto seja humanamente possível, quer dirigir a sua vida no centro da vontade dele. Tudo isso eu também desejo; por minha própria vontade, é isso que eu quero.
A Ardente Busca de Paulo
O que desejamos é conhecer a Cristo com maior profundidade e intimidade. Estas não são palavras minhas, mas palavras encontradas na versão Amplificada da Bíblia no texto de Paulo aos Filipenses, capítulo 3, versículo 10. Leia as palavras seguintes bem devagar e meditativamente:
[Pois o meu propósito, bem determinado,] é conhecê-lo — é conhecer progressivamente a Cristo com maior profundidade e intimidade, percebendo, reconhecendo e entendendo [as maravilhas da sua Pessoa] de modo mais forte e com maior clareza. E, da mesma forma, chegar a conhecer o poder que flui da sua ressurreição [o poder exercido sobre os crentes]; e assim compartilhar de seus sofrimentos, sendo continuamente transformado [em espírito na sua exata semelhança] na sua morte. – Filipenses 3:10 (AMP)
Neste único período encontramos o grande alvo do apóstolo para a vida. Ele refere-se a este alvo como o seu “propósito bem determinado” como um seguidor do Senhor Jesus Cristo. Qual foi esse propósito? Volte atrás e leia o texto de novo, de preferência em voz alta. Pense e repense com todo o cuidado o sentido das palavras-chave. Medite nelas. Tome cada uma por vez e reflita:
É conhecê-lo…
progressivamente … com maior profundidade
é conhecer… com maior intimidade
percebendo…
reconhecendo…
entendendo…
sendo continuamente transformado…
Haverá neste mundo algo mais importante para um filho de Deus? Acho que não. Contudo, estranhamente, bem poucos procuram alcançar esta tão importante prioridade.
Uma mudança é necessária! Como o grande apóstolo, façamos deste o nosso “propósito bem determinado”. Nos esforcemos para deliberadamente abraçar este alvo: “conhecer a Cristo com maior profundidade e intimidade”. Não é conhecer teologia dessa forma, por mais importante que ela possa ser. Não é conhecer a igreja com profundidade e intimidade, por mais valorosa que ela seja. Não é o nosso compartilhar de Cristo aos outros, por mais estimulante e significativo que a evangelização possa ser. Não, não é nada disso que temos que conhecer com maior profundidade!
Devemos conhecer… a Cristo. A Cristo e somente a ele! De agora em diante, que o nosso alvo na vida seja conhecer a Cristo com maior profundidade e intimidade. Creio que era precisamente isto que Jesus tinha em mente quando ordenou: “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça…” (Mt 6:33-ACR-SBTB)
O salmista compreendeu. Ele, também, almejava isso.
Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo… – Salmo 42:1-2
Essas palavras só poderiam ter sido escritas por alguém cujo ser interior ardentemente desejava alcançar as profundezas. Como ele descreve de forma vivida esse seu desejo! “Por ti, ó Deus, suspira a minha alma.’ Essa figura de uma corça suspirando por água é intrigante.
Os comentários feitos por Charles Spurgeon aqui são belos:
Davi estava aflito. Tranqüilidade ele não procurou. Honra, ele não invejou, mas o prazer de estar em comunhão com Deus era uma urgente necessidade da sua alma… uma necessidade absoluta, tal como a água para uma corça…. A sua alma, o seu próprio eu, a sua vida mais profunda encontrava-se em uma situação de sede insaciável por sentir a presença de Deus. … Que tenhamos o mais intenso anseio pelo que há de mais elevado! 2
Não há nada — absolutamente nada — que tenha maior importância do que conhecer a Cristo intensamente e de forma íntima. Este foi todo o argumento de Paulo em suas palavras aos filipenses que antecederam à revelação do seu “propósito bem determinado”.
Com largas pinceladas na tela da sua autobiografia, ele identifica os feitos mais salientes de sua vida:
Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. – Filipenses 3:5-6
Que impressionante! Mas, antes que o leitor tenha tempo de ponderar e começar a aplaudir, o escritor apressa-se a declarar:
Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor;…e as considero como refugo, para conseguir Cristo. – Filipenses 3:7-8
Todas as demais coisas comparadas com o conhecer a Cristo de forma profunda e com intimidade, ele considerou “perda … refugo”. O que normalmente faria com que as pessoas ficassem orgulhosas desvaneceu em uma insignificância pessoal. Que notável contraste!
Já que essa é a convicção firmada, ponderada, do apóstolo, eu sugiro que ela seja uma apreciação que deva ser colocada em prática por nós. Francamente, à luz do seu testemunho, eu me sinto encorajado a despender menos energia e tempo na busca de todas as realizações que aos olhos humanos sejam tidas como notáveis, e dar mais energia e tempo ao cultivo de um relacionamento íntimo com Cristo, cujo conhecimento íntimo resultará em vida eterna. E penso que você sente isso também. Sendo assim, vamos cavar mais fundo.
Quatro Decisões … Quatro Disciplinas
Não importa quão valoroso seja esse “propósito bem determinado”; ele não é nem fácil de ser alcançado, nem é automático. Além disso, você e eu não vamos encontrar encorajamento algum provindo do sistema deste mundo. As perguntas a seguir foram feitas por Isaac Watt. Podem ser antigas, mas são aflitivas e relevantes:
Não há inimigos para eu enfrentar?
Não tenho de nadar contra a correnteza?
Será que este mundo vil é amigo da graça
o suficiente para me ajudar a chegar a Deus?3
Nesses meus sessenta e tantos anos neste “mundo vil”, com bem mais de trinta anos investidos no serviço do Senhor, eu descobri que há pelo menos quatro decisões essenciais, cada uma delas relacionada com uma disciplina, que nos assistem em cultivar uma profunda intimidade com o Todo-Poderoso. Vou apresentar essas quatro decisões, com suas respectivas disciplinas, e então explicá-las e examinar cada uma.
Decisões | Disciplinas |
reorganizar o nosso mundo particular | simplicidade |
aquietar-se | silêncio |
cultivar serenidade | solitude |
confiar completamente no Senhor | renúncia |
Se é com seriedade que você se dispõe a conhecer a Cristo com mais profundidade e de forma mais íntima, você verá que estes quatro itens são estratégicos no processo de alcançar este fim. Certamente há mais coisas que poderíamos acrescentar aos mesmos, mas temos que observar no mínimo estes quatro.
fonte:
Intimidade com o Todo-Poderoso
Categoria: Espiritualidade
Copyright © 1996 por Charles R. Swindoll