RESPONSABILIDADE SOCIAL

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Dom Helder Câmara, famoso arcebispo de Olinda e Recife, que se posicionou contra a pobreza e a opressão nas décadas de 70 e 80, em pleno Regime Militar, disse o seguinte: “Quando dou esmolas aos pobres, sou chamado de santo; se questione por que são pobres, sou chamado de comunista”.

 

Essa afirmação mostra que o mundo espera da Igreja (e a própria igreja muitas igrejas espera de si mesmo) uma caridade passiva, religiosa, descomprometida com as reais causas da pobreza, das doenças, da fome, das misérias que assolam o povo nas grandes e pequenas cidades do Brasil e da América Latina.

 

Observamos que, em geral, há uma preocupação de como se começar um projeto social de assistência. Isto é nobre e um passo louvável, mas não é isso apenas que deve ser chamado de responsabilidade social da igreja.

 

Em alguns lugares já virou até moda os famosos “sopãos” de final de semana, distribuição de cestas básicas, cortes de cabelo, palestras de higiene nas comunidades periféricas, tudo regado a muito louvor e pregação. São os mutirões de assistência social. Só que isso acontece de forma esporádica, descontinuada, e os efeitos na comunidade são mínimos.

 

Tentaremos explicar claramente até aonde vai a tarefa da igreja em sua missão social. O pastor Hélcio da Silva Lessa, em seu livro Ação Social Cristã, dividiu a responsabilidade social em três categorias:

 

Assistência Social

Serviço Social e

Ação Social

 

 

1. Assistência Social

 

No tempo da escravatura alguns cristãos sensibilizados com os que eram castigados e surrados no pelourinho, resolviam ajudá-los com água, comida ou atando suas feridas. Esta atitude nobre, que no entanto não tocava nas causas da escravatura, tipifica o que poderíamos chamar de Assistência Social.

 

 

 

2. Serviço Social

 

Outros cristãos, com visão mais aberta resolviam, além da assistência, assegurar a liberdade de alguns escravos, através da compra destes e criação de oportunidade de trabalho para que eles criassem seus mecanismos de sobrevivência. Esta atitude, mesmo que admirável não acabava com a instituição da comercialização dos escravos. A isto podemos chamar de Serviço Social.

 

 

3. Ação Social

 

Outros, além de dar comida e curar as feridas, quando necessário, e além de até comprar alguns deles para libertá-los, lançaram-se também na luta contra a instituição da escravatura para que não encontrassem escravos pendurados no pelourinho nem tivessem que comprar a liberdade deles. Acabar radicalmente com a escravatura era mais viável, pois assim estariam destruindo este mal pela raiz.  A luta por esta conquista dever ser caracterizada como uma Ação Social.

 

Na consulta sobre a relação entre evangelização e responsabilidade social, realizada em Grand Rapids, Michigan, em junho de 1982, sob a presidência de John Stott, a comissão de estudos dividiu a responsabilidade social em duas categorias: Serviço Social e Ação Social, as quais refletem o mesmo raciocínio apresentado acima:

 

 

SERVIÇO SOCIAL                                                    AÇÃO SOCIAL
   

v  Socorrer o ser humano em suas necessidades

 

 

v  Eliminar as causas das necessidades.

  v  Atividades Filantrópicas

 

 

v  Atividades políticas e econômicas
  v  Procurar ensinar indivíduos e famílias.

 

v  Procurar transformar as estruturas da sociedade.
  v  Obras de Caridade v  A Busca da Justiça

 

 

 

A. PROMOÇÃO HUMANA

 

A Promoção Humana pode ser dividida em quatro categorias:

 

 

1. Promoção Humana Pela Assistência

 

Na assistência, o pobre-indigente recebe o peixe de ajuda material do agente compadecido. Enquanto dar o peixe irradia caridade, gera também assistencialismo no agente, dependência desumanizante no pobre e inércia na sociedade”.

 

2. Promoção Humana Pelo Ensino

 

No ensino, o pobre-atrasado recebe do agente colaborador, a informação/formação. Enquanto ensinar a pescar oferece instrumentos de acesso regulado aos bens da sociedade, promove também paternalismo no agente, individualismo competitivo no pobre e endurecimento estrutural na sociedade excludente”.

 

3. Promoção Humana Pela Participação

 

“Na participação, o pobre-marginalizado conquista seu espaço pela reivindicação e solidariedade, com o acompanhamento do agente colaborador. Enquanto pescar em mutirão e vender o peixe em cooperativas suscita compromisso do pobre com o pobre, também estaciona no reformismo por parte dos agentes e na acomodação com melhorias conquistadas pelos pobres deixando intactas as estruturas de exploração”.

 

4. Promoção Humana Pela Transformação

 

“Na transformação, o pobre-oprimido se liberta da opressão (por conseguinte liberta seu opressor) assumindo seu direito de ser sujeito da sociedade pela intervenção transformativa nas estruturas injustas com o engajamento do agente criativo…”.

 

Essas tendências não devem ser consideradas como estanques. Na verdade, indivíduos ou projetos assistencialistas, mudam enquanto caminham. Até pode ser verdade que as pessoas envolvidas com obras mais educativas, um dia agiram assumindo posturas assistencialistas ou paternalistas. Por sinal, em verdade, na filantropia ou assistencialismo os recursos pelo menos chegam mais nas mãos dos pobres do que nos chamados projetos “educativos”, que muitas vezes funcionam também como máquina de emprego para técnicos que utilizam o sofrimento dos pobres em beneficio pessoal ou institucional.

 

Seja qual for a tendência de promoção humana, precisamos avaliar criteriosamente nossas atividades sociais e políticas. A pergunta chave é: Quem promove quem pela filantropia, ensino, evangelização? Quem se beneficia com a missão realizada?

 

O trabalho social é dinâmico, criativo, requerendo permanente avaliação criteriosa e confiável. Diante de calamidades de difícil controle, fome, famílias vivendo no relento, nossas ações precisam ser justas mesmo que vestidas de assistencialismo e paternalismo. Não estamos priorizando as tendências, estamos somente sinalizando as várias formas de atuação, e quando se fazem necessárias.

 

Portanto, entender a responsabilidade social como uma tarefa que transpõe as limitações da filantropia e do ensino, não é apenas uma questão de conceituação técnica, é acima de tudo uma providência, que há de nos ajudar a compreender que prevenindo as desigualdades sociais pelas ações de justiça, evitaremos que outros dependam de maneira subserviente de nossa filantropia.

 

A vocação da igreja é ser a comunidade peregrina dos discípulos e discípulas de Jesus Cristo. É ser uma nova sociedade habitada por Deus. É a comunidade alternativa que desfruta, pratica e proclama as boas novas do Reino de Deus. Vive a liberdade de ser plenamente humana, em adoração a Deus e comunhão com o seu povo, para amar e servir o mundo amado por Deus. Proclama pela comunicação inteligente e pela forma como expressa sua experiência comunitária. Anuncia as boas novas do Reino de Deus pela prática da misericórdia e luta pela justiça.

 

 

B. NATUREZA DA AÇÃO CRISTÃ

 

É importante estudar a natureza da ação cristã nas comunidades carentes. A ação mais comum das comunidades cristãs tem sido doar alimentos, roupas, remédios, dinheiro, etc. Esta ação, por um lado, pode transformar- se em algo prazeroso, estimulador para a fé cristã. Por outro, pode transformar-se num fardo, num peso que leva a diferentes queixas. As queixas mais comuns decorrentes deste processo costumam ser:

 

v  “As pessoas não valorizam o que a gente faz”

 

v  “Estas pessoas não querem nada-com-nada”

 

v  “Vendem adiante o que a gente dá”

 

v  “Não tem como trazê-las para a igreja”

 

v  “Não dá para liberar nossos espaços (auditórios, casa ministerial, escola) porque eles não sabem cuidar”

 

v  “Fazer algo com eles em nossas instalações resultará em despesas porque vidros serão quebrados, cadeiras e mesas serão estragadas”.

 

Queixas como as acima costumam ser proporcionais ao processo de limitação da Ação Cristã ao Assistencialismo. Isto é, quanto mais assistencialismo (satisfazer apenas a necessidade mais gritante das demandas sociais – não têm comida, dá-se cesta básica; não têm o que vestir, dão-se roupas e calçados) tanto maior a tendência às queixas.

 

Doações todo mundo faz. Estas ações sozinhas não passam de assistência humanitária. Não precisamos ser cristãos para realizarmos a assistência humanitária.

 

O fato de sermos cristãos não garante qualidade divina para a nossa ação humanitária. Realizar uma assistência humanitária é dever de qualquer cidadão em nossa sociedade. Pelo nosso contrato social (expresso na Constituição e Legislação vigentes no país) somos responsáveis pela vida e direitos uns dos outros como família, como sociedade, e como Estado. Também aqui, o fato de sermos cristãos ou não, não faz diferença porque, tanto cristãos quanto não-cristãos, estão debaixo do mesmo contrato social.  Realizando a assistência humanitária não estamos fazendo nada além de cumprir um dever social de todo cidadão.

 

Temos visto pessoas das mais variadas confissões religiosas, tanto cristãs como não cristãs, realizando atos belíssimos de generosidade e abnegação, de serviço e cuidado pelo próximo, pelos pobres. A generosidade por si não garante a salvação ou favor de Deus. Ela deve fazer parte de um “pacote” maior, que inclui todos os valores e motivações bíblicas sobre os quais o cristianismo se fundamenta.

 

Bom, temos que nos fazer algumas perguntas. Tem alguma coisa que diferencia a assistência humanitária da ação cristã? Ação Cristã é um elemento que compõe a natureza da Igreja cristã ou uma tarefa que a Igreja pode ou não realizar? Em outras palavras, é possível ser Igreja cristã mesmo não realizando a ação cristã? Elementos para sinalizar possíveis respostas podem ser encontrados na diaconia neotestamentária.

 

C. O EXEMPLO DIACONAL DE JESUS

 

A afirmação de Jesus, após o lava-pés, “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (João 13.15) sinaliza outroelemento que compõe a natureza da ação cristã. Exemplo, aqui, vem da palavragrega υpόdeigma (Hipodeigma). Hipodeigma é formado por “hipó, que, com acusativo,significa sob, debaixo de, e “deigma, que significa exemplo. Jesus está dizendo: “vos dei o exemplo que está sobre vocês”. Qual é o exemplo de Cristo? Ir aoencontro, salvar as pessoas, independente do que elas tenham feito, simplesmenteporque Deus as ama e quer acolhe-las. Quer dizer, Jesus inaugurou uma novaforma de estender a vida que Deus disponibiliza para suas criaturas: ir ao encontro das pessoas não baseado no que elas são, no que elas têm ou merecem, mas movido pelo amor de Deus. Amor este que leva Paulo a afirmar:

 

Eu poderia falar todas as línguas que são faladas na terra e até no céu, mas, se não tivesse amor, as minhas palavras seriam como o som de um gongo, ou como o barulho de um sino. Poderia ter o dom de anunciar mensagens de Deus, ter todo o conhecimento, entender todos os segredos e ter tanta fé, que até poderia tirar as montanhas do lugar, mas, se não tivesse amor, eu não seria nada. Poderia dar tudo o que eu tenho e até mesmo entregar o meu corpo para ser queimado, mas, se eu não tivesse amor, isso não me adiantaria nada. (…) agora existem três coisas: a fé, a esperança e o amor. Porém a maior delas é o amor (I Coríntios 13. 1-3,13).

 

Jesus nos colocou debaixo deste amor, como se fosse um grande guarda-chuva. Quem está debaixo deste amor “naturalmente” está habilitado paraacolher as pessoas sem olhar para o que elas têm, são ou fazem que as tornedignas ou merecedoras da nossa ação. “…façais vós também” não é imperativoético de obrigação, mas um dever da natureza: sob o meu exemplo, deveisfazer isso”. Não é por nada que neste mesmo contexto Jesus afirma que ele é aVideira e que os ramos que estão nele “produzirão muito fruto” (João 15.5).

 

Assimcomo é natural que o ramo unido à videira produza fruto, é natural quequem está sob o exemplo de Cristo naturalmente acolha sem procurar algo quefaça as pessoas merecedoras da sua ação. É mais uma questão de constataçãoque de obrigação. Logo, exemplo aqui não é algo para ser imitado ou cumprido, mas é algo no qual estamos organicamente incluídos.

 

Assim, o exemplo sob o qual Cristo nos coloca não é uma “moral” a ser seguida ou obrigação a ser realizada, mas uma “forma” a ser vivenciada. Nisto reside a honra: somos diáconos de alguém com quem estamos organicamente unidos. Tão unidos que já agora estamos assentados com Cristo nos lugares celestiais (Efésios 2.6). Ou, tão unidos que estamos dentro dele: “no batismo… fomos revestidos por Cristo” (Gálatas 3.27). Organicamente dentro de Cristo, não há outra alternativa a não ser dar continuidade à obra de Cristo! Não como obrigação moral, mas como graça e privilégio de alguém que “já agora” está assentado nos lugares celestiais em Cristo!

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